Stories and Poems
José Bastos Bittencourt

Aleijadino
faz esculturas no Céu

Leitores, vou lhes contar
Uma história comovente
Que mexe com muita gente
Que não queira duvidar:
Éa história do Aleijadinho,
Menino bem mulatinho
Que viveu pra trabalhar.

Nascido na Villa Rica,
Quando ainda começava,
E o ouro preto aflorava
Aquei nas Minas Gerais;
Filho de bom português,
Muitas coisas ele fez,
Cheio de dons imortais.

Manuel da Costa Lisboa
Era seu pai, carpinteiro,
Que vivia o dia inteiro
Trabalhando em construção,
Teve Isabel como escrava,
Amásia que muita amava
Com carinho e Devoção.

Foi, na pia baptismal,
Que o pai o tomou por filho,
Pois sabia que seu brilho
Era sua grande esperança,
Aleijadinho cresceu
E logo muito aprendeu
Das artes a confiança.

Na grande carpintaria
Que o pai na terra mantinha,
A inspiração sempre vinha,
Quando ainda era menino.
Manifestava o pendor
De ser um grande escultor,
Quando traçava uma linha.

Mulato feio e faceiro
Fez-s muito conhecido
Nas altas rodas, querido,
Por sua sabedoria;
Frequentava boas festas,
Nos salões e nas serestas
Dos nobres da freguesia.

Mulheres o cortejavam,
Embora fosse mulatto,
Não lhes faltando o recato
Da devida cortesia,
Levou vida de rapaz
Que muitas asneiras faz,
Por causa da Fantasia.

Era amante do bom vinho
E das farras sexuais,
Sem falar das imorais
De pecado e de paixão;
Contraiu muitas doenças,
Mas não perdeu sua crença
Em Deus e na salvação.

Aos anos trinta de idade
Ainda não se casara;
Com uma escrava se justara
E um filho logo nasceu.
Começou crear sua arte,
Se espalhando em toda parte,
E dela sempre viveu.

Todo o povo dedicava
Ao grande artista, carinho,
Pois via no Aleijadinho,
Aquele gênio immortal.
Dos leigos aos sacerdotes,
Todos viam nos seus dotes,
Algo bem celestial.

Chamado por gente boa,
Para tomar decisões
Sobre as grandes construções
Que na Vila iam surgindo;
Deixava gravadas nelas,
Para um futuro tão lindo.

Igrejas, Santos, altars
Grotavam de suas mãos,
Enquanto seus membros sãos
Produziam seus lavores;
Até que um dia sentiu
A doença que surgiu
E o fez sentir muitas dores.

Mesmo assim continuou
Trabalhando sem cessar
Chegando às vezes cortar
Os dedos que lhe doíam.
Seu rosto se deformou,
A todos abandonou,
Que ele sempre fugiam.

Figura feia e tristonha,
De todos tinha pavor,
Pois o povo zombador
Falava de sua doença,
Mas ele continuava,
E só se preocupava
Em transmitir sua crença.

Saía, de madrugada,
Montado no seu burrinho,
Levando o escravo Agostinho
E Maurício de seu lado,
Sem esquecer Januário
Que, também, no mesmo horário,
Seguia o artista aleijado.

Partiam pelos caminhos,
Enfrentando a solidão,
Em busca do ganha-pão
Que os fazia sobreviver.
Nas vilas as mais distantes,
Lea iam bem confiantes
Suas esculturas fazer.

Manoel da Costa Ataíde,
Companheiro inseparável,
Com sua arte inigualável,
De desenhista e pintor,
Fez do pincel sua pena,
Escrevendo o seu poema,
Nas lindas formas da cor.

Amigo do Aleijadinho,
Buscava nas Escrituras,
A razão de suas pinturas
Para os Templos decorar.
As tintas que mais usava
Ele mesmo as preparava,
Pois nunca quis importar.

Chorava as dores do amigo
Que, aleijado, mais sofria,
Fosse de noite ou de dia,
Ao lado de uma escultura
Era lindo ver surgir
A mensagem do provir
De tão nobre criatura.

Os dias iam passando,
A doença progredia,
A morte já lhe sorria
Com seu golpe traiçoeiro.
De há muito se preparava
Uma desgraça, e pairava
O momento derradeiro.

Aproximou-se o momento
Da mais triste despedida.
Agora só resta à vida
A força de eternal prece.
O carpo aberto em ferida
Já não serve de guarida
À alma que mais padece.

Sob um leito pequenino
De tábuas emparelhadas,
Sem colchas limpas, bordadas,
Se estende um corpo ferido
Pelas chagas da má sorte,
Esperando aquela morte
De um santo que está remido.

Pediu à nora Joana
Que lhe fizesse a vontade:
Ao partir pra Eternidade,
Queria ser sepultado
Sem pompa, sem aclamação,
Ao simples som da oração
De Jesus crucificado.

Que a cova lhe fosse leve
Sem flores, sem fantasia,
Pois as coisas que fazia
Fossem o sue passa-porte,
Para atingir as belezas
Repletas de singelezas
Da virgem da Boa Morte.

Fechando os olhos, já cegos,
Não podendo contemplar,
Começou, pois, a rezar
A prece de quem se vai;
Tremeu seus lábios serenos
E em movimentos pequenos,
Morreu. Partiu para o Pai.

Antônio Francisco foi
Grande exemplo para o mundo,
De carinho e amor profundo
Pelas artes, pela vida.
A Bíblia ele imprimiu
Nas obras que ele esculpiu
Com perfeição definida.

Em cada Templo deixou
A marca de seu formão;
E foi na pedre-sabão
Que marcou sua passagem.
Sua história não se encerra,
Pois deixou aqui, na terra,
A sua eternal mensagem.

Aleijadinho morrera
E foi bater lá no Céu,
Envolto no estreito véu
De quem foi um pecador.
Bateu na porta sagrada,
Buscando fácil a entrada
No reino do Salvador.

Dentro de poucos instantes
Surge o porteiro sisudo,
Com rosto tão carrrancudo
Que Aleijadinhno espantou.
Era São Pedro assustado
Que, vendo aquele aleijado,
Com voz rouca reclamou:

“- Como queres, maltrapilho,
Entrar em nosso ambiente?
Nós não aceitamos gente
Do teu tipo. Vai-te embora!
Teu lugar é nos infernos
Onde extertores eternos
Não têm minutes nem hora”.

Aleijadinho baixou
Os olhos com piedade.
E São Pedro, com maldade,
A porta logo empurrou.
Refletiu por um momento
E veio-lhe o pensamento
De um fato que lhe tocou:

“- Como te chamas? Responde!
- Antônio Francisco. Mais?
Cheguei de Minas Gerais
Onde vivi como artista…
- Que fizeste para Deus
Dize os dons que só são teus,
Enquanto vou ver a lista”.

Aleijadinho falava
Do muito que aqui fizera.
O momento há não erea
Para perder esperanças.
São Pedro volta e lhe diz:
“-Tua sorte não foi feliz,
Pois o Céu jamais alcanças”.

Ouvindo aquelas palavras,
O artista se enrubeceu;
O mulatto entristeceu
E tentou mais uma vez:
“-São Pedro, me deixa entrar,
Fiz tudo pra me salvar
Com a sorte que Deus me fez”.

“-Ajudei tanto a igreja,
Com minha arter de esculpir,
Quis em todas imprimir
A mensagem de Jesus.
Agora que quero a glória,
Tu me vens com esta historia,
Negando-me eternal luz?!”

“-Fiz altars, fiz lavabos,
Fiz tudo para o Senhor,
E tu vens com teu rancor,
Quando agora me espezinha?!
Para enfeitar as capelas,
Eu fiz tantas coisas belas
Como se fossem só minhas!”

“-Se sou feio horripilante,
Não tenho culpa de nada.
Vê minhas mãos aleijadas
Trabalhando pro Senhor.
Dediquei a minha vida,
Até que a tive perdida
Sem carinho e sem amor!”

Ao vir as mãos carcomidas
Pela leper deformante,
São Pedro teve um instante
De pena e quase chorou.
Notou na face a doença,
Sentiu nele a eternal crença
Daquele que mais amou.

Dos olhos do Aleijadinho
Uma lágrima caiu.
São Pedro dali partiu
E foi ter com o Salvador.
Disse da cena medonha,
Da criatura tristonha,
Daquele grande escultor.

O Cristo disse a São Pedro:
“-Não aceite gente horrorosa,
Por mais que venha chorosa,
E nos venha perturbar.
Nossos Santos assustados
Podem ficar revoltados
E pararem de adorar.”

“-O povo eleito do Pai
É gente pural, sabemos.
O jeito que agora temos
É dar u’a prova ao aleijado.
Se a cumprir, vamos pensar
Onde o vamos colocar,
Ficando bem separado”.

Voltou São Pedro, depressa,
Para o recado falar.
Foi, no momento, encontrar
O artista que lá esperava.
Aleijadinho escutou
E não se desesperou
De no Céu poder entrar.

São Pedro falou solene,
O recado do Senhor:
“-Não podes causar horror
Ao Santo Povo escolhido.
Ficarás distanciado,
Quieto e sempre calado.
Prometes? –Serás ouvido”.

“-Eu não aceito, São Pedro,
No Céu haver seleção,
Pois aprendi na oração,
Que aqui são todos iguais.
Não foi Cristo, o Redentor,
Que, através do seu amor,
Remiu todos os mortais?”

“-Onde está Santa Efigênia?
E São Francisco de Assis?
Que foi na terra que fiz,
Quando usei o bom juízo?
Só porque sou um Aleijado,
Com meu corpo deformado,

Não mereço o Paraíso?”
“-Não me arredo dessa porta,
Sem que venha a solução.
Chega a minha ocasião
De romper esta barreira.
Volta ao Cristo, então lhe digas
Que não quero pé-de –brigas,
Pra ganhar a salvação”.

São Pedro ficou confuso,
Sem saber o que fazer.
E começou a dizer,
Para ver se convencia,
Palavras tão comoventes,
Com formas inteligentes.
E o aleijado persistia.

“-O inferno tem muitas festas,
Dá um pulinho até lá.
O aleijado encontrará
Solene recepção.
O Diabo sempre procura
Uma feia criatura
Pra governar a Nação.”

Aleijadinho responde:
“-Que porteiro gozador.’
Eu não gusto de calor
Nem de festas infernais.
Além disso, nos infernos,
Os castigos são eternos
E sofrer não quero mais”.

“-Eu não quero me encontrar
Com “Seu” Silvério dos Reis,
Aquele que forçou leis
Pra Tiradentes matar.
Não quero ver a desdita
Na face triste e maldita
Do “Seu” Conde de Assumar”.

Voltou-se para São Pedro
E se lembrou com euphoria,
Radiante de alegria,
Da virgem, Nossa Senhora:
“-Vai lá, São Pedro, chamar
A Virgem, Estrela do Mar,
Ela vem salvar-me, agora”.

São Pedro disse zangado:
“-Não quero mais falatório.
Agora se faz notório
Que tu não podes entrar;
Mas vou estar com Jesus,
Talvez, por causa da Cruz,
Ele te possa salvar”.

O Cristo, que impaciente,
Tinha muito que fazer,
Mandou São Pedro dizer
Àquele pobre escultou,
Que uma prova ia lhe dar:
Uma escultura criar
De seu Pai, o Criador.

Estando a par do recado,
Aleijadinho aceitou
A proposta e começou
A preparar o formão.
Voltou-se para o porteiro,
Num gesto bem brasileiro:
"-Onde está a pedra-sabão?”

Aleijadinho falou
A Pedro que estava em pé:
“-Agora provo que a fé
É fonte de salvação.
Manda alguém que desça à terra
E traga a pedra que encerra
Toda a minha inspiração”.

São Pedro mandou uns anjos,
Que viessem a Santa Rita,
Apanhassem “esteatita”,
Em blocos bem aparados;
Tivessem muito carinho,
Pois era estreito o caminho
Podiam chegar machucados.

Os anjos logo partiram
E Aleijadinho ficou.
São Pedro, depois, entrou
Pra rezer sua oração.
Aleijadiho, sabido,
Deixou, na porta, esculpido,
De Jesus o Coração.

Os anjos cedo voltaram
Trazendo o material,
Em coro celestial
Organizaram torcidas,
Para aplaudir o aleijado,
À porta do Céu sentado,
Todo coberto em feridas.

Quando os anjos começaram
Os cantos para louvor,
Surgia em nobre lavor,
Das mãos do artista aleijado,
Uma perfeita escultura
Representando a figura
Do porteiro malcriado.

Em vez do rosto do Pai,
Aleijadinho esculpiu
São Pedro, que reprimiu
Aquele feito jocoso.
Os anjos riam contentes
Dos atos irreverentes
Deste artista talentoso.

Ao perceber gargalhadas,
São Pedro saiu a ver,
Pois nunca pensou de ser
Bagunça celestial.
Abriu a porta zangado,
Mas ficou maravilhado
Com a façanha escultural.

Os anjos, em revoada,
Andavam pra lá e pra cá:
“-Este artista ficará
E vai morar entre nós.
Chama. Pedro, o Criador,
Que venha ver o escultor
Que canta com outra voz”.

São Pedro bateu a porta,
E foi chamar o Senhor,
Para ter o dissabor
De tudo presenciar.
Ao falar do que ocorria
Notou que a Virgem Maria
Quis também paricipar.

Muita gente se juntou
Ao cotejo e veio à porta.
Agora nada comporta
Toda aquela multicão,
Quequeria ver a festa
Que o porteiro então protesta
Diante da confusão.

O Aleijadinho, calado,
Cumpria a sua palavra:
Saía de sua lavra,
Estátua descomunal.
Era a cara do porteiro,
No corpo muito faceiro
De Deus-Pai, Santo, Imortal.

São Pedro ficou com raiva
E com ímpeto gritou.
E o povo todo escutou
Aquela voz inflamada.
Mas a Virgem, paciente,
Explicou àquela gente,
Que logo ficou calada.

Disse a Virgem à multidão:
“-Este artista é um sofredor.
Teve o consolo, na dor,
Esculpindo com coragem.
Na terra sempre fazia
Esculturas de Maria,
Transmitindo sua mensagem”.

Teve muita devoção
À Santíssima Trindade.
Transmitiu a santidade
Através das esculturas/
Ou na pedra, ou na Madeira,
Buscou sempre uma maneira
De falar das coisas puras.

Ao dizer estas palavras,
Os profetas confirmara
E com voz forte entoaram
Um canto novo em louvor.
E organizaram uma lista
Pedindo que aquele artista
Ouvisse o Pai, Criador.

O Pai ficou comovido
Diante daquela cena:
Uma pessoa pequena
No Céu não poder entrar!
Ergueu o cetro e, falando,
No artista já foi tocando,
E mandando levanter.

Levantou-se o Aleijadinho,
Mostrou sua face leprosa,
Com sua boca asquerosa,
Para todos os presentes.
Houve choro de tristeza
Mas havia uma beleza
Que sempre commove a gente.

Todos então recordaram
Os momentos que o aleijado
Buscava, preocupado,
Imprimir na pedra fria,
De todos elels o rosto,
Sempre mostrando com gusto
Aquilo que ele fazia.

Profetas, Anjos e Santos
O Pai Eterno, Maria,
Jesus Cristo, na agonia,
A Todos representava.
Deixou na pedra gravada,
Pra sempre imortalizada,
Aquilo que ele pensava.

O Pai-Eterno beijou
Aquele rosto tristonho,
Como se fosse num sonho
Tão cheio de fantasia.
Aleijadinho chorou,
Sua face se transformou
Numa constante alegria.

A Virgem tirou seu manto
E cobriu o Aleijadinho.
Um anjo muito gordinho
Trouxe um lindo diadema.
E tudo ficou bonito,
Naquele instante infinito
De um verdadeiro poema.

Foi levado o Aleijadinho
Ao trono dos escolhidos
Que, depois de arrependidos,
Ganham eternal mansão.
Artista das artes puras,
Esculpindo as Escrituras,
Conseguiu a Salvação.

Em 23 de dezembro de 1977

José Bastos Bittencourt.